Pessoas afásicas que, de repente, perderam a capacidade de falar ou de entender o que ouvem.
Esta, que foi a primeira peça apresentada pelo grupo (2004), criada para mostrar o trabalho de reabilitação da fala e da linguagem por meio da expressão dramática, dividia-se em quatro esquetes, abordando o sentimento da falta de comunicação, a importância da palavra, o que resultou a perda e a falta de comunicação oral.
“Lotamos o teatro Bibi Ferreira, além de termos feito apresentações na Uniban (SP) para fonoaudiólogos, estudantes de fonoaudiologia e pacientes afásicos. Todos adoraram e aprenderam um pouco sobre a afasia“ – diz Saliba Filho, diretor do espetáculo.
No entanto, mais importante que a apresentação em si, foram os avanços no estado clínico durante as aulas e ensaios.
“Na afasia é preciso treinar a mente e estimular com a leitura. O teatro tem o poder de fazer isso porque incentiva a sociabilidade e o contato com o texto. Ele também trabalha a expressão corporal, importante para que se entenda o outro. Além disso, atinge a auto-estima do indivíduo, pois, a partir da estimulação, ele se sente mais seguro e confiante para ir além, mostrando para si e para a família que é capaz” – analisa Fátima Monteiro, fonoaudióloga da ONG Ser em Cena.
Às aulas, que acontecem uma vez por semana na Água Branca em São Paulo, são acrescentados passeios culturais, encontros de confraternização e ensaios para aqueles que aceitaram participar da montagem.
Atualmente, o grupo trabalha em outro espetáculo com mais cenas, porém ainda sem data de estréia. Nichollas Wahba, ex-afásico e assistente de direção teatral, explica que a montagem de uma peça com esse grupo demanda mais tempo de preparo, pois não se trata somente de ensaios, mas de um meio de evoluir na recuperação da fala.
Um acidente…
Pivô da formação do Ser em Cena, Nichollas Wahba, também relações públicas da organização, aos 16 anos, sofreu um acidente de carro que o deixou incapaz de falar no auge de sua juventude.
Foram quatro meses de silêncio e mímicas até conseguir dizer ‘A’. “Foi muito difícil. Sabia o que era mala, identificava a palavra quando a ouvia, mas quando abria a boca, não saia som. Não conseguia dizer: MALA” – conta.
Enquanto ele se esforçava para ser compreendido e recebia a ajuda de sua mãe, Liliana Liviano Wahba, doutora em Psicologia Clínica, presidente da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica – que posteriormente escreveu o livro “Reconectar a Mente – Juntando o A e o B e o C”, com exercícios verbais para a reabilitação de afásicos – iniciou-se uma busca por especialistas em afasia.
Nesta procura, a fonoaudióloga Fernanda Papaterra Limongi tornou-se a responsável pelo tratamento de Nichollas Wahba, que já era ligado à arte teatral, e, mesmo com a afasia, dava continuidade aos cursos de dramaturgia.
“Um ano e meio após o acidente fiz um curso com o professor Hélio Braga e, embora falasse como bêbado, ele me colocou no elenco da peça Esperando Godot, baseado no livro de Samuel Beckett. Um livro enorme que me estimulou a ler” – relembra Wahba.
Uma viagem…
A melhora de Nichollas era progressiva e as consultas à fonoaudióloga reduziramse para uma vez ao ano. Em uma delas Fernanda Limongi contou a ele que durante uma viagem à Montreal havia assistido uma peça do Le Théâtre Aphasique, organização fundada pela fonoaudióloga e atriz canadense Anne-Marie Théroux, com o objetivo de reabilitar afásicos por meio da arte dramática e sensibilizar a população para a realidade da afasia.
Ele ator, ela fonoaudióloga, a mãe psicóloga, o pai empresário patrocinador, não demorou cerca de um mês para que as aulas começassem e outras vítimas da afasia pudessem contar com a arte para a reabilitação.
A chegada de novos casos…
A divulgação do trabalho começou no consultório da fonoaudióloga e logo chegaram novos parceiros que também se incumbiram de divulgar as aulas, como o Sesc Consolação, que abriu espaço para receber a Ser em Cena.
O primeiro a chegar foi José Francisco dos Santos, com cerca de 50 anos, vítima de acidente vascular cerebral. “Ele foi o primeiro a aceitar o desafio e até hoje está conosco, sem faltar a nenhuma aula” – comenta Wahba.
Atualmente são mais de 40 alunos que foram, em sua maioria, encaminhados por profissionais da saúde. Sem contar os familiares que os acompanham e acabam participando da ‘brincadeira’.
“As aulas vão além da dramaturgia e compõem um trabalho de socialização, no qual as pessoas trocam experiências e idéias, onde se desenvolvem o teatro com jogos dramáticos, aulas de música e canto, técnicas de mímica e clown, ioga, tai chi chuan e outras” – destaca o diretor, Saliba Filho.
O QUE É AFASIA? |
A Afasia é um déficit geral da linguagem decorrente de uma lesão cerebral no hemisfério esquerdo do cérebro. As causas mais comuns são: AVC – acidentes vasculares cerebrais (derrames, isquemias), traumatismos (causados por acidentes automobilísticos, armas de fogo, quedas graves, etc) e tumores cerebrais. A Afasia pode ser caracterizada por distúrbios na capacidade de compreender, expressar linguagem ou ambas as capacidades. Pode existir um distúrbio de comunicação leve, moderado ou severo, dependendo da extensão e local da lesão cerebral.
O número estimado de afásicos no Brasil é de aproximadamente 160.000 pessoas, considerando apenas os casos causados por AVC. Porém, há falta de profissionais especializados no tratamento. Além disso, a falta de informação faz com que muitas vítimas e familiares confundam a afasia com mudez, incorrendo em tratamento inadequado. Fonte: ONG Ser em Cena |