POR – ELENI LOPES DIRETORA DE REDAÇÃO DE NEO MONDO
Sim, ainda há água em abundância no planeta, mas a continuidade da oferta depende de mudança radical na forma como o recurso é utilizado.ONU incentiva água de reúso.
As Nações Unidas têm enfrentado uma crise global causada pela crescente demanda de recursos hídricos e adotam uma série de atividades que visam ao desenvolvimento sustentável dos recursos finitos e frágeis de água doce, que estão sob pressão intensa devido ao crescimento populacional, à poluição e às demandas agrícolas e industriais. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a escassez de água afeta mais de 1,2 bilhão de pessoas e reverter o quadro é chave no combate à pobreza.
De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), a atividade agropecuária é a principal responsável pelo uso da água. Para a entidade, 70% de toda a água consumida no mundo é utilizada na irrigação das lavouras, número que se eleva para 72% no caso do Brasil, que é um país com forte produção nesse setor da economia. A irrigação é em disparado a maior usuária de água no Brasil, com uma área irrigável de aproximadamente 29,6 milhões de hectares, segundo dados da Agência Nacional de Águas (ANA). Depois do setor agrícola, a atividade industrial se destaca, sendo responsável por 22% do consumo de água no mundo. Somente depois vem o uso doméstico, que é responsável por cerca de 8% de toda a utilização dos recursos hídricos. Segundo dados do DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica de São Paulo), o setor industrial utiliza 40% de toda a água disponível para abastecimento em rios, poços e reservatórios da Grande São Paulo e da Baixada Santista.
O uso da água pode ser melhor visualizado com os seguintes exemplos:
. Para se fabricar 1 carro, gasta-se mais de 400 mil litros de água.
. Para se produzir 1 tonelada de aço, a demanda é por 300 mil litros de água;
. Para se produzir 1 kg de carne de boi, são utilizados 15,4 mil litros de água;
. Para se fabricar 1 camiseta de algodão, são necessários 2,5 mil litros de água;
. No meio agrícola, a soja é uma das campeãs em uso de água, demandando 1,8 mil litro para cada quilo produzido, lembrando que o Brasil é um dos maiores produtores e exportadores mundiais desse produto.
Desta forma, o tema ‘água de reúso’ é indissociável do agronegócio e das atividades industriais. Hoje, a definição de reúso vai desde a captação de água da chuva até o uso de efluentes de estações de tratamento de esgoto que passam por um processo de purificação para fins industriais e agrícolas.
O Ministério das Cidades, com o apoio da ANA (Agência Nacional de Águas), quer definir uma política nacional de reúso, definindo padrões e possibilidades de aproveitamento de efluentes sanitários por região geográfica e bacia hidrográfica.
As Nações Unidas divulgaram o relatório “Águas residuais: o recurso inexplorado”, que defende o reaproveitamento das águas residuais como forma de preservar o meio ambiente e combater a escassez de recursos hídricos. Elaborado pela UN Water (ONU Água, em tradução livre), entidade formada por agências da ONU e coordenado pelo Programa Mundial das Nações Unidas para Avaliação dos Recursos Hídricos — liderado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) —, o relatório afirma que as águas residuais, uma vez tratadas, poderiam ser fontes importantes para satisfazer a crescente demanda por água doce e outras matérias-primas. “As águas residuais são um recurso valioso em um mundo no qual a água é finita e a demanda é crescente”, disse Guy Ryder, presidente do UN Water e diretor-geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT). De acordo com Ryder, tudo gira em torno de gerir e reutilizar cuidadosamente a água que passa por casas, fábricas, fazendas e cidades. “Vamos todos reduzir e reutilizar com segurança as águas residuais para que este recurso precioso atenda às necessidades de populações cada vez maiores em um ecossistema frágil”, disse. Para a diretora-geral da UNESCO, Irina Bokova, o relatório mostra que uma melhor gestão das águas residuais está atrelada tanto à redução da poluição na fonte quanto à remoção de contaminantes dos fluxos de águas residuais, à reutilização da água reciclada e à recuperação de subprodutos úteis. Uma grande proporção de água residual ainda é liberada no meio ambiente sem ser coletada ou tratada. Isso é ainda mais presente em países de baixa renda, que, em média, tratam apenas 8% das águas residuais domésticas e industriais, em comparação com a taxa de 70% observada nos países de alta renda. Como resultado, em muitas regiões do mundo, águas contaminadas por bactérias, nitratos, fosfatos e solventes são despejadas em rios e lagos que desaguam nos oceanos, trazendo consequências negativas para o meio ambiente e para a saúde pública. O volume de água residual a ser tratada aumentará consideravelmente em um futuro próximo, especialmente em cidades de países em desenvolvimento com populações que crescem rapidamente. “A geração de águas residuais é um dos maiores desafios associados ao crescimento de assentamentos informais (favelas) no mundo em desenvolvimento”, afirmam os autores. Uma cidade como Lagos (Nigéria) gera 1,5 milhão de metros cúbicos de águas residuais por dia, sendo que a maior parte acaba sendo despejada sem tratamento na Lagoa de Lagos. A menos que providências sejam tomadas agora, é provável que essa situação se deteriore ainda mais uma vez que a população da cidade pode ultrapassar 23 milhões de pessoas até 2020, afirmou o documento. A poluição causada por agentes patogênicos de excrementos humanos e de animais afeta quase um terço dos rios da América Latina, Ásia e África, colocando em risco as vidas de milhões de pessoas. Em 2012, 842 mil mortes em países de renda baixa e média estiveram ligadas à água contaminada e serviços sanitários inadequados. A falta de tratamento também contribui para a propagação de algumas doenças tropicais como a dengue e a cólera, alertou a ONU. Solventes e hidrocarbonetos produzidos por atividades industriais e de mineração, bem como a descarga de nutrientes (nitrogênio, fósforo e potássio) da agricultura intensiva aceleram a eutrofização da água potável e dos ecossistemas costeiros e marinhos. Estima-se que 245 mil km² de ecossistemas marinhos — aproximadamente o tamanho do Reino Unido — são atualmente afetados por esse fenômeno. O despejo de águas residuais não tratadas também estimula a proliferação de algas tóxicas e contribui para o declínio da biodiversidade. A crescente consciência sobre a presença de poluentes como hormônios, antibióticos, esteroides e suspensivos endócrinos em águas residuais apresenta um novo conjunto de desafios, uma vez que seus impactos no meio ambiente e na saúde ainda precisam ser totalmente compreendidos. A poluição reduz ainda mais a disponibilidade de abastecimento de água potável, que já está sob estresse, principalmente por causa das mudanças climáticas, segundo o documento. No entanto, a maioria dos governos e dos tomadores de decisão têm se preocupado mais com os desafios da oferta de água, especialmente quando ela se torna escassa, enquanto ignoram a necessidade de tratar a água após ter sido utilizada. “Coleta, tratamento e uso seguro das águas residuais constituem o alicerce de uma economia circular, equilibrando o desenvolvimento econômico com o uso sustentável dos recursos. A água reciclada é um recurso amplamente sub explorado, que pode ser reutilizado diversas vezes”, afirmou o documento.
Águas residuais e lodo como fontes de matérias-primas
Além de fornecer uma fonte alternativa segura para água doce, as águas residuais também podem ser vistas como uma fonte potencial de matérias-primas. Graças aos avanços em técnicas de tratamento, certos nutrientes, como fósforo e nitratos, podem agora ser recuperados a partir de esgotos e lodos e transformados em fertilizantes. Estima-se que 22% da demanda global por fósforo, um recurso mineral finito e em esgotamento, poderia ser atendida pelo tratamento da urina e de excrementos humanos. Alguns países, como a Suíça, já aprovaram uma legislação que exige a recuperação de determinados nutrientes como
o fósforo. As substâncias orgânicas contidas nas águas residuais poderiam ser utilizadas para a produção de biogás, o que poderia ajudar a aumentar as instalações de tratamento de águas residuais, permitindo que elas deixassem de ser grandes consumidoras de energia e adquiram neutralidade energética, ou até mesmo passem a ser produtoras
de energia.
No Japão, o governo estabeleceu uma meta que estipula a recuperação de 30% da energia de biomassa existente em águas residuais até 2020. Todo ano, a cidade de Osaka produz 6,5 mil toneladas de combustíveis biossólidos a partir de 43 mil toneladas de lodo de esgoto. Essas tecnologias não precisam ficar fora do alcance de países em desenvolvimento, uma vez que as soluções de tratamento de baixo custo já permitem a extração de energia e de nutrientes. Elas podem ainda não permitir a recuperação direta de água potável, mas podem produzir água viável e segura para outros usos, como a irrigação. E as vendas de matérias-primas derivadas das águas residuais podem fornecer rendas adicionais para ajudar a cobrir os custos de investimento e operacionais do tratamento de água residual.
Segundo o documento da ONU, um passo essencial nesse sentido é o reconhecimento generalizado acerca do valor da utilização segura de águas residuais tratadas e de seus valiosos subprodutos enquanto alternativas à água doce bruta.
O futuro é melhor do que você imagina
O livro Abundância – Futuro É Melhor do Que Você Imagina, de Steven Kotler e Peter H.Diamandis, traz dados estarrecedores sobre o consumo no planeta. Confira alguns trechos selecionados por NEO MONDO:
– Atualmente 1 bilhão de pessoas não tem acesso a água potável e 2,6 bilhões não tem acesso a saneamento básico. Como resultado, metade das hospitalizações no mundo resultam de pessoas que bebem água contaminada por agentes infecciosos, substâncias químicas tóxicas e
riscos radiológicos.
– De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) a bactéria que causa a diarreia, representa 4,1% da carga global de doenças, matando 1,8 milhão de crianças por ano.
– Hoje mais pessoas têm acesso a celulares do que a uma privada.
– Cálculos de Peter Gleick, do Pacific Institute, estimam que 135 milhões de pessoas morrerão antes de 2020 por falta de água potável e saneamento.
– Existe um fundamento conceitual conhecido como “One Planet Living” (OPL – Convivendo em um Único Planeta).Para compreendê-lo, existem 3 fatos:
1 – atualmente a humanidade consome 30% a mais dos recursos naturais do planeta do que podemos repor.
2 – se todos nesta planeta quisessem viver com o estilo de vida do europeu médio, precisaríamos de 3 planetas em termos de recursos.
3 – se todos neste planeta quisessem viver como um norte-americano médio, precisaríamos de 5 planetas. OPL, portanto, é uma iniciativa global que visa combater essa escassez.
“A escassez tem sido um problema desde que a vida emergiu neste planeta, mas sua encarnação contemporânea – o que muitos denominam o “modelo da escassez” – data do final do século 18, quando o economista inglês Thomas Robert Malthus percebeu que enquanto a produção de alimentos se expandia linearmente, a população crescia exponencialmente. Por causa disso, Malthus convenceu-se de que chegaria um ponto no tempo em que excederíamos a nossa capacidade de nos alimentarmos. Em suas palavras: “O poder da população é indefinidamente maior do que o poder da Terra de produzir subsistência para o homem”.
Desde essa época, uma série de pensadores ecoou essa preocupação. No início dos anos 1960, uma espécie de consenso havia sido atingido. Em 1966, o dr. Martin Luther King Jr. Observou: “ao contrário das pestes da Idade Média ou das doenças contemporâneas, que não entendemos, a peste moderna de superpopulação é solucionável por meios que descobrimos e com recursos que possuímos”. Dois anos depois, o biólogo da Universidade de Stanford dr. Paul R. Ehrlich fez soar um alarme ainda mais alto com a publicação de The population bomb. Mas foi o resultado posterior de uma pequena reunião realizada em 1968 que realmente alertou o mundo para a profundidade da crise.
Naquele ano, o cientista escocês Alexander King e o industrial italiano Aurelio Peccei reuniram um grupo multidisciplinar de grandes pensadores internacionais numa pequena vila em Roma. O Clube de Roma, como esse grupo passou a ser conhecido, havia se juntado para discutir os problemas do pensamento de curto prazo em um mundo de longo prazo.
Em 1972, publicaram os resultados daquela discussão. Limites do crescimento tornou-se um clássico instantâneo, vendendo 12 milhões de cópias em 30 idiomas, e assustando quase todos que o leram. Usando um modelo desenvolvido pelo fundador da dinâmica de sistemas, Jay Forrester, o clube comparou as taxas de crescimento populacional mundiais com as taxas de consumo de recursos globais. Se a ciência por trás do modelo se mostrou complicada, a mensagem foi simples: nossos recursos estão se esgotando, e nosso tempo também.
Já decorreram 4 décadas desde que o relatório foi divulgado. Embora muitas de suas previsões mais catastróficas não se concretizassem, os anos não atenuaram a avaliação. Atualmente continuamos encontrando provas de sua veracidade na maioria dos lugares que examinamos. Um dentre cada quatro mamíferos está ameaçado de extinção, enquanto 90% dos grandes peixes já desapareceram. Nossos lençóis aquíferos estão começando a secar, nosso solo está se tornando salgados demais para a produção agrícola. O nosso petróleo está se esgotando, bem como o urânio. Até o fósforo – um dos principais ingredientes dos fertilizantes – anda escasso.
No tempo decorrido para ler esta frase, uma criança morrerá de fome. No tempo em que gasta para ler este parágrafo, outra morrerá de sede (ou por beber água contaminada para matar essa sede).E isso, dizem os especialistas, é só o começo.
Existe agora mais de 7 bilhões de pessoas no planeta. Se a tendência não se reverter, em 2050 estaremos próximos de 10 bilhões. Os cientistas que estudam a capacidade biótica da terra – o cálculo de quantas pessoas conseguem viver aqui de forma sustentável – têm apresentado estimativas bem divergentes. Os otimistas acreditam que seja algo próximo de 2 bilhões. Os pessimistas pensam que poderiam ser 300 milhões. Mas quem concorda ainda que com a menos alarmante dessas previsões – como a dra. Nina Fedoroff, consultora de ciências e tecnologia do secretário de estado norte-americano, recentemente contou aos repórteres – só pode chegar a uma conclusão: “Precisamos reduzir a taxa de crescimento da população global; o planeta não consegue suportar muito mais pessoas”.
Algumas coisas, porém, são mais fáceis de dizer do que fazer.Com isso parece restar uma opção. Se não se consegue se livrar das pessoas, é preciso ampliar os recursos que essas pessoas consomem. E ampliá-los substancialmente. Como atingir esta meta tem sido temas de muitos debates, mas atualmente os princípios da OLP vêm sendo defendidos como a única opção viável.
A humanidade está adentrando um período de transformação radical em que a tecnologia tem o potencial de elevar substancialmente os padrões de vida básicos de todos os homens, mulheres e crianças do planeta.”