Foto: Renata Padovan
POR – ALTER CONTEÚDO / NEO MONDO
Locais em que a interferência humana na natureza mudou completamente a paisagem, acarretando em danos ambientais e sociais, constituem o objeto de interesse da artista plástica paulista Renata Padovan
No ano passado, após participar de duas imersões artísticas – uma no Brasil e outra na Argentina -, ela criou a série de instalações “Irreversíveis”, que poderá ser vista na exposição “Como falar com as árvores”, a partir do dia 9 de maio, na galeria Z42 Arte, no Rio de Janeiro.
A exposição apresenta uma seleção dos trabalhos de 20 artistas que participaram do projeto LABVERDE, em comemoração aos cinco anos do programa de residência artística realizado no coração da Floresta Amazônica. Na edição do ano passado, Renata criou a instalação, produzida em um gigantesco cemitério de árvores localizado no lago da hidrelétrica de Balbina. A artista usou corante alimentar em um dos troncos ressequidos que restam sobre o lago, e produziu uma série de fotos, a fim de despertar a reflexão sobre as consequências desastrosas e irreversíveis da interferência humana na natureza.
“Eu já conhecia Balbina, mas o trabalho junto com os cientistas no LABVERDE trouxe um novo sentido, ampliou meus conhecimentos. Esta troca é muito interessante. Geralmente a hidrelétrica é considerada uma energia limpa, mas ela traz muitas consequências ruins, como uma alta emissão de metano na atmosfera. O trabalho multidisciplinar propicia esta comunicação, porque o cientista está dentro do laboratório, enquanto o artista é quem vai levar estas questões para o mundo”, explicou Renata.
Foto: Renata Padovan
Inaugurada em 1987, a usina hidrelétrica de Balbina mudou drasticamente a paisagem da região, inundando 2.360 km² da floresta, uma área equivalente à de Luxemburgo, por exemplo, para gerar apenas 50MW, insuficientes sequer para abastecer a cidade de Manaus. Mais de 25 anos se passaram desde sua construção, e as árvores continuam morrendo, sobretudo a jusante da barragem. Além do desastre ecológico, da perda de floresta e da biodiversidade, a barragem afetou sobretudo os povos ribeirinhos e a área da reserva indígena Waimiri-Atroari trazendo consequências desastrosas para este povo.
“Poucas pessoas sabem o que é a Balbina, sequer que existe um lago do tamanho de um país no meio da Floresta da Amazônia. De uma forma poética, por meio da construção artística, pretendi mostrar esta situação, para gerar a reflexão sobre a forma como a humanidade vem interferindo na natureza”, contou Renata.
De acordo com os pesquisadores, os grandes lagos das usinas emitem uma enorme quantidade de metano (CH4). Normalmente esta emissão é concentrada nos primeiros anos após a inundação, quando o material orgânico decomposto é transformado em metano. Este gás tem um impacto 34 vezes maior na atmosfera do que o CO2 considerando um período de 100 anos. Na Amazônia, em decorrência da alta biomassa, do regime de cheia e vazante dos rios e do clima quente, as emissões deste gás de efeito estufa continuam indefinidamente.
Na Argentina, Renata criou instalações no cemitério de árvores da Villa Epecuén, um antigo balneário na província de Buenos Aires, que, em 1985 foi inundado com o rompimento de uma barragem, deixando a cidade submersa por mais de 30 anos, e 1,5 mil pessoas desabrigadas. Seu próximo projeto será no sul da Patagônia, onde uma população de castores levada para a região está destruindo a floresta pela falta de predadores naturais.
A natureza sempre esteve ligada ao trabalho de Renata. Em 2011, ela participou da Bienal de Arte de São Paulo, com a instalação Desenho Verde. No ano seguinte, partiu para Belo Monte, quando estavam começando as obras da barragem, onde realizou trabalhos em som e vídeo, mostrando os impactos que causariam ao ecossistema da região. Na Volta Grande do Xingu, a vazão reduzida em um trecho de curva do rio de aproximadamente 100 km afetou a biodiversidade e impactou as populações ribeirinhas e indígenas, obrigadas a viver à beira de um rio, de onde tiravam seu sustento, com volume reduzido.
Foto: Renata Padovan
Em 2017, produziu instalações no Mar de Aral, um dos maiores desastres ambientais do mundo. Nos anos 60, a União Soviética desviou as águas do local, um lago com 66 mil km², para irrigar plantações de algodão. A interferência resultou na diminuição do volume de água em cerca de 80%. Sua área, hoje, é de apenas 60% da original. A areia extremamente salgada e contaminada pelos agrotóxicos das plantações é carregada pelos ventos levando poluição para locais tão distantes quanto Japão, Suécia e Noruega.
Para Renata, arte e ciência sempre andaram de mãos dadas, tendência que deva ficar cada vez mais forte. “Através da arte, buscamos a sensibilização para estes assuntos. A ciência sai do laboratório para comunicar em outra linguagem”, afirmou.
Sobre a exposição “Como falar com as árvores”
Exposição comemorativa de cinco anos do programa LABVERDE, que apresenta um panorama cultural sobre a paisagem Amazônica envolvendo artistas nacionais e internacionais. A exposição apresenta uma efervescência de processos, matérias e técnicas poéticas que resignificam a natureza em um conjunto plural de linguagens. Alguns trabalhos são notadamente engajados e denunciam a extinção da vida na Amazônia, outros dão ênfase à perceção sensorial do artista e seus processos afetivos e alguns tentam retratar as dinâmicas dos seres em sua complexidade. Existe ainda a preocupação em dar novo sentido à paisagem dissolvendo o lugar do sujeito, há também a vontade de dar visibilidade a fenômenos naturais invisíveis, onde a luz é a grande protagonista nas investigações artísticas.
Serviço:
“Como falar com as árvores”
Quando: De 9 de maio a 28 de junho
Horário: 19 horas
Local: Z42 Arte
Endereço: Endereço: Rua Filinto de Almeida, 42 – Cosme Velho
Site: https://www.labverde.com/
Entrada gratuita