POR – GUSTAVO PORPINO*, PARA NEO MONDO
A complexidade das cadeias de valor de alimentos demanda das empresas do setor agroalimentar a capacidade de ter visão sistêmica e interpretar as tendências de consumo. Em termos práticos, o que isso significa? Mesmo organizações focadas em atender, prioritariamente, um determinado elo da cadeia de valor, precisam captar os sinais sobre mudanças comportamentais dos cidadãos e acompanhar as tendências de consumo. A pesquisa agropecuária, por exemplo, tradicionalmente orientada para desenvolver soluções tecnológicas para produtores rurais, também precisa seguir a premissa da velha e boa orientação de marketing, ou seja, estar conectada com as transformações do comportamento do consumidor para ofertar produtos ou serviços alinhados com os anseios da sociedade.
A melhor compreensão do comportamento do consumidor é imprescindível para o setor produtivo manter-se competitivo e o poder público também deve investir em estudos para, por exemplo, delinear políticas públicas que estejam mais alinhadas com tendências identificadas. O estudo Visão 2030 (https://www.embrapa.br/visao/o-futuro-da-agricultura-brasileira), elaborado pela Embrapa, é bom exemplo de como instituições públicas podem também atuar na interpretação de cenários futuros para pôr em prática projetos antenados com demandas reais e reduzir os riscos de gastar tempo e recursos em atividades sem alinhamento com o que os cidadãos almejam.
O protagonismo dos consumidores é uma das megatendências identificadas no Visão 2030. Cidadãos mais empoderados influenciam o modo de produzir e vender alimentos. O incremento das vendas de orgânicos, por exemplo, termina por influenciar positivamente o fortalecimento das pesquisas sobre controle biológico de pragas e outras alternativas para reduzir o uso de agrotóxicos no cultivo de alimentos. Os anseios dos consumidores por praticidade e qualidade fazem com que as redes varejistas apostem em formatos mais compactos, mas com boa variedade de produtos in natura, layout da loja mais funcional e produtos acondicionados apropriadamente.
Qualidade, busca por bem-estar, saudabilidade e praticidade são tendências consolidadas mundo afora. Alimentos e bebidas alinhados com estes anseios permanecerão ganhando mercado. Os consumidores também querem consumir marcas que demonstrem engajamento com causas sociais relevantes, sejam percebidas como sustentáveis, e adotem boas práticas de produção, tais como comprometimento com o bem-estar animal e comércio justo.
Bebidas saudáveis, que no mercado norte-americano tem sido chamadas de “better-for-you beverages”, são uma dessas tendências consolidadas. A bebida fermentada kombucha, por exemplo, já é um mercado global de mais de US$1,5 bilhão com crescimento projetado de quase 25% nos próximos cinco anos. No Brasil, país ainda com diversas frutas nativas pouco pesquisadas, há enorme potencial para agregar valor à biodiversidade por meio da oferta de bebidas saudáveis. Recentemente, por meio de parceria da Embrapa com duas agroindústrias, foi desenvolvida a primeira cajuína orgânica enlatada. Soluções como esta, que nascem de parcerias público-privadas e estão alinhadas com tendências de consumo, são o caminho a seguir.
Outra tendência que veio para ficar são os alimentos ricos em proteínas vegetais. Hambúrgueres e polpetones, tradicionalmente elaborados com carne bovina, estão ganhando versões à base de plantas para atender o crescimento do mercado vegano. A brasileira Fazenda do Futuro e a americana Impossible Foods são exemplos de foodtechs conectadas com esta nova tendência de consumo, que cria oportunidades para expandir no Brasil as pesquisas e a produção de ervilha, grão-de-bico e outras leguminosas.
A tendência “plant-based” também é forte no segmento de “snacks”. Frutas e legumes, sejam orgânicos ou não, estão em expansão no varejo global. Na Europa, em redes de supermercados de desconto tais como Aldi e Lidl, é possível adquirir por 1 Euro embalagens com chips variados de beterraba, batata doce, cenoura e outros vegetais. Neste mesmo segmento, há expansão ainda da linha de snacks saudáveis posicionados para crianças.
O Brasil tem amplas possibilidades no mercado “plant-based”. Há uma base sólida de produção, mercado consumidor amplo e ainda as possibilidades de exportar produtos diferenciados. Paradoxalmente, o Brasil é um dos maiores produtores globais de frutas e hortaliças, mas o consumo per capita é a metade do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Dados do Instituto Brasileiro de Frutas (IBRAF) apontam que, no Brasil, o consumo médio per capita de hortifrutis é de 57 kg/ano, enquanto o da Espanha é de 120 kg/ano e o da França, 114,8kg/ano. Apenas a renda média das populações não explica tal diferença. É preciso investir em mudanças positivas de hábitos de consumo.
Os esforços para desenvover produtos inovadores e fortalecer a pequena agroindústria devem ser acompanhados pela promoção do consumo de frutas e hortaliças. Ter uma população com dieta mais diversificada gera impactos positivos em diversas frentes, tais como redução dos gastos com saúde, melhor produtividade no trabalho e ainda geração de renda para produtores, agroindústria e varejo.
Há ainda outros mercados com crescimento anual de dois dígitos consolidado. O mercado de orgânicos brasileiro, por exemplo, atingiu R$4 bilhões de faturamento em 2018, um crescimento de 20% em relação ao ano anterior segundo dados do Conselho Brasileiro da Produção Orgânica e Sustentável (Organis). Todas essas tendências podem ainda ser combinadas com outros diferenciais. O fomento aos produtos artesanais e à produção local de alimentos, por exemplo, gera oportunidades de negócios e melhora a distribuição de renda.
Cabe ao marketing de alimentos ser do bem, comunicar a verdade e fazer sua parte para gerar mais apelo de compra aos novos produtos alimentícios. O melhor de tudo isso é que o Brasil tem elementos de sobra para enriquecer nossas marcas e torná-las únicas. Nossa rica biodiversidade, nossa cultura e nossa gente formam um mosaico que muitos países ricos gostariam de ter. O setor agroalimentar tem muitas oportunidades para pegar carona nas novas tendências de consumo e, com esforços de pesquisa e uma boa pitada de criatividade, ofertar ao mercado interno e ao mundo produtos únicos e com cara de Brasil.