POR – OBSERVATÓRIO DO CLIMA / NEO MONDO
No Dia Mundial do Meio Ambiente, o OC responde a dúvidas de internautas sobre o aquecimento da Terra e suas consequências
Nestes tempos em que o consenso científico sobre as mudanças climáticas é questionado até pelo ministro do Meio Ambiente do Brasil, o OC decidiu comemorar o Dia Mundial do Meio Ambiente de um jeito diferente: esclarecendo seus seguidores nas redes sociais.
Nós pedimos a eles que listassem suas principais dúvidas sobre as mudanças do clima. Elas serão respondidas pelos nossos especialistas ao longo do dia de hoje, neste post interativo.
Vamos a elas:
(Vanderlei Petry) Como é calculado o potencial de aquecimento global de cada gás de efeito estufa?
Vanderlei, para entender como cada gás aquece o planeta é preciso dar um passo atrás e entender primeiro que história é essa de “aquecer o planeta”. Toda a energia da Terra vem do Sol em forma de luz de vários comprimentos de onda. Ela incide no planeta na forma de ondas curtas (luz visível, ultravioleta e outros tipos de radiação), é absorvida pela superfície da terra e pelos oceanos e é refletida de volta para o espaço na forma de radiação infravermelha, também conhecida como “calor”.
Algumas moléculas existentes na atmosfera são transparentes para a luz visível, mas opacas ao infravermelho. Ou seja, esse comprimento de onda bate nelas e é absorvido, da mesma forma como objetos pretos absorvem a luz visível. A retenção do infravermelho na atmosfera é conhecida como efeito estufa, e frequentemente é comparada a um cobertor de gases sobre o planeta. Ao desmatar e queimar combustíveis fósseis, os seres humanos engrossam esse cobertor. E é isso o que causa as mudanças climáticas.
Cada gás opaco ao infravermelho absorve essa radiação com um grau distinto de eficiência. A eficiência de absorção de 1 tonelada de um gás de efeito estufa num dado período de tempo (por exemplo, cem anos) é chamada de “potencial de aquecimento global”, ou GWP, na sigla em inglês. Como os primeiros experimentos nesse sentido foram feitos com o gás carbônico (CO2), o mais abundante gás de efeito estufa, convencionou-se que o GWP do CO2 é igual a 1. O metano (CH4) é muito mais eficiente que o CO2 em absorver infravermelho: seu GWP é igual a 28. O HFC23, um gás sintético, é o mais eficiente de todos: seu GWP é de 11.700, ou seja, cada molécula dessa substância absorve 11.700 vezes mais infravermelho que uma molécula de CO2 (felizmente ele é emitido em quantidades muito, muito pequenas).
(Lívia Neves) Não deveríamos usar crise climática no lugar de mudanças climáticas para darmos o tom de urgência necessária para o tema?
Lívia, muita gente já tem usado. Nas últimas semanas, o jornal britânico The Guardian, que tem a melhor cobertura do tema no mundo porque tomou uma decisão editorial em 2015 de trazer o clima para a primeira página, publicou uma circular para a redação com novas orientações sobre o tema. Entre elas está usar “crise climática” sempre que possível no lugar de “mudança climática” e um termo intraduzível, “global heating”, no lugar de “global warming” (em português não há diferença entre os dois termos, ambos se traduzem como “aquecimento global”). Aqui no OC a gente prefere “crise do clima” porque é mais curto e mais direto, mas preferimos manter nosso direito a usar sinônimos para não repetir demais as palavras. 😉
(Maya Longuini) Podemos afirmar que o Brasil vai cumprir conseguir cumprir ou está cumprindo o Acordo de Paris?
Maya, o Acordo de Paris começa a ser implementado oficialmente a partir do ano que vem, embora nada impeça os países de começarem a implementar suas metas domésticas (as tais NDCs) desde 2016, quando ele entrou em vigor. O Brasil optou por deixar a conversa sobre a NDC para 2020, já que até 2020 nós temos as metas da Política Nacional sobre Mudança do Clima para cumprir (spoiler: não cumpriremos a principal delas, a redução em 80% do desmatamento na Amazônia). Só que o governo Bolsonaro não apenas não apresentou até agora um plano de implementação da NDC como o principal responsável por esse plano, o ministro Ricardo Salles, nem sequer acredita que mudanças climáticas são causadas por seres humanos.
No setor de energia, provavelmente conseguiremos cumprir a NDC por inércia, por conta da recessão que reduziu a demanda por energia no país. No setor de uso de terra, que inclui desmatamento e agropecuária, precisaríamos nos esforçar. Até agora, estamos indo no caminho oposto, com o governo federal destruindo todas as políticas que permitiriam implementar a NDC.
(Ilo Pix) Quais setores da indústria causam os maiores impactos ambientais que causam as mudanças climáticas e porque nunca citam a pecuária?
Ilo, depende do que você chama de “indústria”. Se você estiver se referindo a processos industriais, ou seja, as emissões associadas à fabricação de produtos, o setor não é tão importante no Brasil: responde por cerca de 4% das emissões brasileiras (95 milhões de toneladas de CO2 equivalente em 2016). Os mais importantes em termos de emissões são as indústrias de ferro-gusa e aço, cimento e química, que responderam em 2016 por quase 60% das emissões por processos industriais e uso de produtos.
Agora, se por “indústria” você estiver falando das emissões do setor de energia, que consome combustíveis fósseis, no Brasil a principal atividade emissora é a de transportes. Em 2016, último ano para o qual existem análises detalhadas, o setor de energia respondeu por 19% das emissões do Brasil (423 milhões de toneladas de CO2equivalente), e os transportes ficaram com 39% desse quinhão (204 milhões de toneladas de CO2 equivalente). Se quiser saber os detalhes, leia esta análise.
(Proletario Anonimo @umpoetaproibido /Twitter) Na opinião de vocês, é possível frear as mudanças climáticas sem mudar o modo de produção capitalista?
Não. Os modos insustentáveis de produção e consumo (repare bem nesta última parte) já foram identificados pelo IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, como a principal causa da mudança do clima e a principal barreira ao seu enfrentamento. A produção e o consumo precisam incorporar variáveis que até agora não entraram na conta do capitalismo, como os custos externos da poluição, que são pagos por toda a sociedade. Uma maneira imediata de fazer isso, que já está em curso em vários países, é botar um preço nas emissões de carbono. Assim, atividades emissoras (por exemplo, a geração de energia por termelétricas a carvão, altamente poluentes) passam a pagar pela poluição e a competir em condições menos desleais com atividades menos poluentes (como a geração de energia solar). O capitalismo não precisa acabar para enfrentar a mudança do clima, mas precisa se reorientar, e muito rápido.