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POR – REDAÇÃO NEO MONDO
Análise da seguradora de crédito Euler Hermes aponta que direcionar fundos para energia renovável elevaria os custos para consumidores mais pobres
Nesta terça-feira (18), a Agência Internacional de Energia (AIE) divulgou um relatório defendendo que as metas climáticas sejam cumpridas até 2050. Mesmo com as atuais metas dos governos sendo totalmente cumpridas, elas não seriam suficientes para reduzir as emissões globais de dióxido de carbono (CO2) e para limitar o aumento da temperatura global a 1,5ºC, principal objetivo do Acordo de Paris.
De acordo com uma análise divulgada nesta quarta-feira (19), pela líder mundial em seguro de crédito, Euler Hermes, abolir os subsídios aos combustíveis fósseis e direcionar os fundos para energia renovável parece uma vitória fácil para o clima, afinal, os subsídios aos combustíveis fósseis respondem por 0,5% do PIB global, quase exatamente o tamanho da lacuna de financiamento necessária para cumprir o Acordo de Paris. Mas livrar-se deles acarreta custos elevados para os consumidores, especialmente às famílias mais pobres.
O documento lembra que as estimativas da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e da AIE colocam o valor total dos subsídios aos combustíveis fósseis em USD 468 bilhões em 2019 (para 81 países). A Figura 1 mostra que esses subsídios superam os das energias renováveis na maioria dos países, com a UE-28 e os EUA sendo exceções notáveis. Conforme mostrado na Figura 2, o determinante mais provável é a presença de uma grande indústria nacional de combustíveis fósseis, que tende a ter forte poder político e de lobby em muitos países. Assim, subsídios excepcionalmente altos são pagos na região MENA (Oriente Médio e Norte da África), bem como na Austrália e na Venezuela.
Figura 1 – Comparação dos subsídios globais de combustível fóssil vs. energia renovável
Fontes: Allianz Research e IRENA (2020) “Energy Subsidies – Evolution in the Global Energy Transformation to 2050”. UE 28 do anexo do relatório de 2020 sobre o estado da União da Energia nos termos do Regulamento (UE) 2018/1999 sobre a Governação da União da Energia e a Ação Climática
Diminuição ainda não é suficiente
“Embora os subsídios aos combustíveis fósseis tenham diminuído em nível global, a tendência não é suficiente para alcançar as ambições climáticas. As estimativas da IRENA sugerem que os subsídios aos combustíveis fósseis terão que cair para menos de USD 139 bilhões até 2050 para um caminho de transição de energia compatível com 1,5°C, conforme mostra a Figura 3”, aponta um dos autores da análise, o cientista de dados e conselheiro setorial da Euler Hermes, Ano Kuhanathan.
O cientista lembra que mais da metade dos atuais subsídios fósseis beneficiam os produtos petrolíferos. A IRENA projeta que os subsídios totais à energia (renovável e fóssil) diminuam em 26% até 2030 e se estabilizem a partir de 2030, uma vez que a queda de 69% nos subsídios aos combustíveis fósseis não será totalmente compensada pelo aumento dos subsídios renováveis.
A principal razão é que a energia renovável se tornará mais barata e, portanto, exigirá relativamente menos apoio estatal. Como essa deflação de custos é amplamente impulsionada por economias de escala, uma parcela maior da carga de custos recairá sobre os primeiros a mover-se. Um esforço amplo e coordenado com as economias desenvolvidas, bem como a China e a Índia na liderança, permitiria uma distribuição justa do fardo inicial.
Figura 2 – Visão global dos subsídios aos combustíveis fósseis: topo per capita; fundo por PIB
Fontes: Allianz Research com base em dados da IEA e OECD
“A persistência de subsídios para combustíveis fósseis decorre do poder político e de lobby do setor em muitas economias, juntamente com o ritmo mais lento de transição energética que esperamos em economias emergentes”, afirma Kuhanathan. Segundo ele, os subsídios persistem por diversos motivos: falta de divulgação de informações sobre seu valor, distribuição e efeitos; instituições fracas, incapazes de melhor direcioná-los; falta de confiança no uso que o governo faz das receitas fiscais de sua abolição (especialmente em países propensos à corrupção); preocupações com o impacto prejudicial sobre os pobres e o impacto econômico geral (inflação, competitividade) ou condições macroeconômicas fracas.
Figura 3 – Desenvolvimento futuro esperado de subsídios de energia
Fontes: Allianz Research, IRENA (2020)
No entanto, os economistas da seguradora afirmam que abolir esses subsídios completamente também é politicamente sensível, já que a maioria dos subsídios beneficia os consumidores (Figura 4, à esquerda), que provavelmente se oporiam às reduções, pelo menos nas urnas, se não nas ruas. Essa preocupação também é sustentada pela composição setorial dos subsídios (Figura 4, à direita). A maior parte dos subsídios vai para o setor de transportes, que beneficia principalmente os consumidores, assim como o apoio ao setor residencial.
Relatórios do Banco Mundial e do FMI mostram que os subsídios aos combustíveis fósseis são regressivos e beneficiam principalmente os grupos de renda mais alta, que tendem a consumir mais energia do que as famílias mais pobres. De acordo com o FMI, os subsídios universais aos combustíveis são ineficientes, pois os 20% mais ricos das famílias recebem, em média, cerca de seis vezes mais subsídios do que os 20% mais pobres (Figura 5).
Para apoiar os 40% das famílias mais pobres com USD 1,00 por meio de subsídios à gasolina, é necessário um total de USD 14,00 de despesas relacionadas ao subsídio. Além disso, como os subsídios vêm da base tributária geral, essa situação cria uma transferência de riqueza das pessoas mais pobres para as mais ricas. Mas, ao mesmo tempo, as famílias pobres são tão fortemente afetadas em termos relativos, pois seus gastos relacionados à energia consomem quase o dobro da parcela de sua renda familiar (quase 7%), em comparação com o quartil mais rico de famílias (Figura 6).
Figura 4 – Apoio a combustíveis fósseis por beneficiário (esquerda) e por setor (direita) (50 países)
Fontes: Allianz Research, IRENA (2020)
“Nesse contexto, a abolição dos subsídios aos combustíveis fósseis requer uma abordagem holística para garantir uma transição justa. Medidas abruptas não funcionarão. O que é necessário são planos abrangentes para introdução gradual e sequenciamento dos aumentos de preços para permitir que toda a população se ajuste sem problemas”, analisa o cientista. Segundo Kuhanathan, isso deve ser acompanhado por transferências de dinheiro direcionadas para famílias pobres, por exemplo, programas de rede de segurança expandidos, subsídios universais mantidos temporariamente em commodities usadas por famílias carentes ou aumento de gastos em programas que beneficiam principalmente os menos favorecidos (despesas direcionadas com saúde, educação ou infraestrutura).
Figura 5 – Distribuição de benefícios de subsídio por grupos de consumo (quintis) em porcentagem
Fontes: IMF, Allianz Research
Ações para diminuição de subsídios
O relatório aponta ainda que vários países estão trabalhando atualmente na implementação de tais soluções para remover os subsídios aos combustíveis fósseis e usar as receitas fiscais em outros lugares. Por exemplo, o Banco Mundial ajudou o Egito a ajustar as tarifas de eletricidade e a eliminar os subsídios aos combustíveis entre 2014 e 2019.
Também contribuiu para a reforma dos subsídios aos combustíveis fósseis na Ucrânia, que incluiu aumentos nas tarifas de gás e aquecimento urbano compensados pela expansão da segurança direcionada à programas de rede. As Filipinas, Indonésia, Gana e Marrocos introduziram transferências de dinheiro e expansões da rede de segurança social para famílias pobres para compensar a remoção dos subsídios.
De acordo com um estudo do Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável, 53 países tomaram medidas para reformar seus subsídios ao consumidor de combustíveis fósseis ou para aumentar a tributação sobre esses combustíveis entre 2015 e 2020.
Figura 6 – Parcela da renda familiar gasta no consumo de energia
Fontes: WBG Global Consumption Database, Allianz Research.
Pressão popular
O cientista lembra, porém, que o desafio é ainda maior, uma vez que os países que tentaram implementar essas reformas sem aplicar tais medidas enfrentaram protestos populares significativos, enfatizando o quão sensível pode ser o acesso à energia acessível para a maioria das pessoas. “A remoção abrupta dos subsídios aos combustíveis fósseis no Equador em 2019 provocou indignação pública massiva, principalmente devido ao aumento repentino dos preços da gasolina e do diesel. Um aumento no preço do diesel e do gás no México em 2017 também gerou protestos violentos e perturbou a economia. E mesmo na França, um país desenvolvido, o aumento do imposto sobre os combustíveis iluminou o movimento do Colete Amarelo. Em tais situações, os governos costumam ser tentados a recuar em vez de prosseguir com seus esforços de reforma”, finaliza.